Claraboia - Chão de vidro

Instalei uma claraboia no corredor. Precisava sentir a luz entrar pelo teto. Foi um trabalho grande para a luz acontecer, pois todos os 10 andares acima do terceiro precisaram da mesma obra. Eu achei que era só pegar a minha tesoura, recortar o teto e colar um copinho transparente com super Bonder para tapar o buraco. Mas quando fiz o recorte no teto, vi a vizinha do 41 me encarando de cima. Eu li nos seus olhos... o que você está fazendo, pequena maria?

Eu expliquei que estava instalando a claraboia. Ela continuou me olhando estranho. Comecei a explicar melhor, pensando como eu poderia achar a luz que eu queria no corredor. Ela já estava quase descendo para falar com minha mãe quando eu comecei a recortar o teto dela para mostrar que a luz seria para ela também. Nessa hora que eu encontrei o Mimiu. O Mimiu é meu primo, ele mora no 51. Expliquei o que estava fazendo, ele entendeu muito rápido e me ainda me ajudou chegar até o teto do 13. 

Ficamos o dia inteiro recortando os tetos. O mais difícil foi passar pelo cachorro do 81. Quando estávamos desenhando o pontilhado no teto do 71, o bicho começou a latir. A sorte foi que o Mimiu desceu bem rápido e pegou uma salsicha que sobrou do almoço dele, ele não come nada mesmo, e ficou distraindo o cachorro até que passamos para o 91. 

No 11, a Ni, nossa amiga, nos deu água e um pouco de bala italiana. É uma bala forte, que arde tudo por dentro e que pinta a língua com a cor da noite. Eu gosto do som da latinha e do som da palavra. Alcaçuz.

A Ni pegou a tesoura dela e foi tudo mais rápido. Fizemos o 11, o 12 e o 13 com ajuda dela. Só que chegamos tarde, já passava das 7 da noite e no lugar da claridade, vimos um rabisco de lua. Sentamos no topo do Grandville e colocamos mais uma bala na boca. Era a noite ventando os cabelos, arrepiando os pelos e o alcaçuz crescendo no arder na língua.

Ficamos lá um pouco. Descermos colando os copinhos transparentes. Um dia me disseram, descer é mais fácil do que subir. E é mesmo. Na decida, o centro da terra ajuda.

O Mimiu passava cola, e a Ni me ajudava a segurar por alguns minutos até o vidro firmar no teto de cada apartamento. Quando chegamos no 31, a neta da vizinha do 21 pediu uma claraboia também. Cortei o chão do corredor do 31 e colamos o vidro. 

Instalei a claraboia do 21, instalei o chão de vidro do 31. 

E o prédio agora é assim:

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

chão de vidro

claraboia

12 vezes assim.

E desde que comecei a pisar no chão de vidro, me vi passarinha na claraboia da vizinha.