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29 Dec
148. Contemplação

"Quando o desejo é silenciado e a vontade repousa, o mundo como ideia torna-se manifesto. Nesse aspecto, o mundo é belo e removido da luta pela existência. Esse é o mundo da Arte. No entanto, a contemplação apenas não colocará a vontade em repouso absoluto. Ela despertará novamente e depois toda a beleza da forma parecerá ter sido apenas um breve momento de exaltação." John Cage Silêncio - Conferência sobre algo - 131

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Contemplação

substantivo feminino

1.  ato de concentrar longamente a vista, a atenção em algo.

"sentiu-se relaxar na c. daquela paisagem"

2. profunda aplicação da mente em abstrações; meditação, reflexão.

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Hoje eu me concentrei na leitura de dois textos de Silêncio do John Cage. O primeiro é Conferência Sobre Nada. Ele distribuiu na página, quatro compassos por linha e doze linhas em cada unidade da estrutura rítmica. A forma que o texto é apresentado, provocou, na primeira batida de olhos, uma ideia de salto do olhar. Mas logo no começo ele anuncia "O que nós precisamos é de silêncio; mas o que o silêncio precisa é que eu continue a falar." (pág 109).

Comecei a ler os espaços, correndo os olhos, num "tempo de leitura" do espaço branco e silencioso. Senti algo parecido com o que já senti na meditação, a ideia de deixar o pensamento passar. Em uma pequena interrupção da leitura, refleti algumas coisas. Quando eu era criança eu ouvi alguém contando sobre o estudo de leitura dinâmica. Eu sempre me lembrava disso quando estava lendo algum livro para prova. Nunca cheguei perto de ler dessa forma. Acredito que é uma técnica para ler rápido, captando do texto algum extrato do que está sendo comunicado. Depois me lembrei outra coisa, da velocidade dos áudios do WhatsApp. A fala fica acelerada e os espaços/silêncios, são abreviados. O meu marido gosta de abreviar o tempo das mensagens de áudio. Quando ele as escuta, eu quase perco o ar. 

Pensei aqui: Estamos abreviando o silêncio? Ou estamos colocando mais palavras do que o silêncio precisa?

Volto a leitura. Ainda corro os olhos no texto e distraio. Volto e dou o espaço para o silêncio. Li em voz alta. Quero mudar velocidades e achar outros sons.

Cage ainda lança como um mantra em Conferência sobre o nada:

"Cada vez mais tenho a sensação de que não estamos chegando a lugar algum. Lentamente, à medida que avançamos, não estamos chegando a lugar algum e isso é um prazer. Não é irritante estar onde se está. É apenas irritante pensar que seria melhor estar em outro lugar.."

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Anotei os trechos do Cage na postagem para ler amanhã antes de sair. Vou levar meu caracol para ver a árvore. O caracol é minha cadeira, meu corredor de memórias. Quero contemplar o lado de fora. Quero estar fora para voltar para a casa de dentro. 

É disso que estou me alimentando para logo mais.

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Programa Performativo - 29 de dezembro

Sair do apartamento carregando a cadeira de balanço

Colocar na ilha central da avenida, ao lado da arvore

Contemplar a árvore por uma hora 

Pegar a cadeira e voltar para o corredor

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"Cada momento apresenta o que acontece. Quão diferente é esse sentido de forma daquele que está atrelado a memória: temas e temas secundários; sua luta; seu desenvolvimento; o clímax; a recapitulação (que é a crença de que se é dono da própria casa). Mas, na verdade, diferente do caracol, levamos nossas casas dentro de nós mesmos, o que nos permite voar ou ficar, - aproveitar as duas coisas." Jonh Cage - Silêncio - pág 111


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